12.4.08

Frida Kahlo


Um susto

Não tenho medo de mentira.
Não tenho medo de quem mente.
Não tenho medo de acreditar na mentira.
Mas tenho medo de achar que eu sou assim.
A mentira. Como elas.
O que mais afaga a gente é a palavra.
Cantada, declamada, rabiscada e falada.
Se ela fala é porque é.
Eu achava.
Eu tinha a crença nas palavras.
Dos outros.
Minha crença agora é no silêncio.
Da vida.
Dos que não são encantam.
Dos que não se mobilizam.
Sou estátua.
Sou Mozart sem piano.
Sou lástima.
Tudo isto porque vi que somos os cegos.
Os sem visão nem sensação.
Somos oco, pau e madeira.
Somos só carcaça.

9.4.08

Mais feliz pelo lado de quem olha

Sônia Braga em "A Dama do Lotação" 1978


Para Nelson Rodrigues todos nós temos desejos obcenos. E pronto. Quem quiser que negue. Ou até se mate para que seja dado um fim. E o que mais perturba quem lê sua obra é que o tempo todo você está ali também.

Mulheres adúlteras, pais hipócritas, maridos passivos, amigas invejosas. Basicamente, gente que a gente usualmente chama de gente doente. Historinhas simples que começam dentro das casas.

A primeira vez com o Nelson você logo pensa: “que imaginação”. Na segunda: “já vi algo assim”. E da terceira em diante você precisa de mais. A repulsa e o asco que aparecem de cara são mais fácil de demonstrar, já que é muito louvável apontar os dedos à dama da lotação. É mais compreensível ainda ficar embasbacado com a Engraçadinha. E melhor ainda é sentir-se do lado de cá uma pessoa boa, digna, honesta e Deus me livre, boa. A bondade é algo que devemos perseguir. Cultivar. E ostentar.

Gente que é boa tende a fazer-se visto. Irradiar alegria é uma das ações mais defendidas, prezadas e proclamadas por nós. A gente acha que o bondoso é quem merece. E se algo vai mal, é coisa de outra vida. É carma. É castigo cristão. É com Deus mesmo. Guerras são justificadas assim. E assim se vai indo. Isto para quem está vendo do lado de fora e bem de longe.

Parecemos ser filhos de uma teoria que mastiga a aparência como ideal perseguido. Se não damos contar de ser o que devemos, pelo menos fazei de conta que somos. E na nossa casa ninguém trepa. Não há gritos ou discussões. Somos harmônicos. Somos graciosos. Unidos. Somos de boa fé. E para quem olha do lado de fora a gente parece ser mais feliz mesmo.

Eu ia dizer que pena que não é assim. Mas eu ia mentir. Ainda bem que não somos só o que parecemos. Ainda bem que somos capazes de fazer muito mais do que nos propomos. Do nosso lado de dentro tem bem mais que a mera bondade vangloriada. Tem a inveja que nos faz acordar todos os dias e ir atrás de nossas coisinhas. Do dinheirinho. Do amor. De trabalho. De lugar e espaço na vida. Tem aquela boa e frenética ira que nos sobe as mentes e nos faz berrar pelas injustiças. Tem também diferenças, muitas, milhares. Discordar é também gozar por ser dono de si. De seu pensamento. As frases feitas e repetidas podem parecer que fazem efeito, a princípio mas nem sempre. A gente ainda tem desejos obcenos e incrivelmente secretos que maravilhosamente são nossos, apenas.

Damos conta de nos fragmentar para suportar todos os desencantos. Damos conta de nos juntar dos pedacinhos e remontar nosso cotidiano. Somos sempre estrangeiros de nossas próprias ideologias. E por sinal, nosso melhor não está no que parece ser. Quase sempre está no virá. Senão qual seria o ponto de mais um dia?

Por Lara Stoque, que irradia milhões de coisas… boas e ruins.