19.3.08

A sua imagem

Uma imagem nem sempre consegue salvar o dia. Trabalhando mais de doze horas por dia na produção de vídeos, com o tempo você deixa de diferenciar aquilo que acontece nas câmeras e o que acontece fora dela. Vira um só espaço. Você nunca nem sabe quando o rec está ligado, ou quando a imagem foi ou não capturada. Você se enfia nisto e finca sua energia, seu sono, sua fome, seu precioso pensamento e sem se dar conta você vira aquilo. Vira a notícia, vira o áudio, vira o texto. Você passa a ser o que você produziu.

E com o tempo você gosta disto. Gosta muito. Você não teme mais os olhares que um dia te impediram de fazer edições nas falas dos outros. Você corta. Recorta. Cola. Dá brilho. Coloca preto e branco. Colore. E reverte a velocidade. Ou aumenta. Tudo depende de você. E sem saber você vira dona de um mundo. E ali a direção é sua. E se Deus chegar, você pede para ele sair.

Aquilo é sua construção e o máximo que irá acontecer é você aceitar o que os outros como você dizem. Outros que também doentemente trocam um almoço, um namoro, um cafuné, uma festa, para estar ali. Os pedaços de papéis com anotações e rabiscos estão jogados na salinha pequena. E sua insanidade é lúcida, porque você apenas quer a música perfeita. Não dá para ser mediano, não dá para ser algo razoável. Ou você conta a história como ela merece ou você morre com ela.

Não há negociações, nem medidas. E deste sufocamento quase insuportável você sangra até não agüentar mais. E você assiste... e se não te der vontade de dançar Sinatra melhor parar. Apagar. Jogar fora horas e horas de trabalho e esforço. É melhor assim. Vá para casa, durma um pouco. Volte e recomece.

É disto que a gente vive. Da câmera, do entrevistado, da imagem desfocada, do texto que você inventou. A gente vive de um desenho que não sai do lápis. Sai de dentro. Do nosso melhor, de nossas virtudes e nossa boa fé. Mas sai também da nossa pequenina, lamentável condição miserável e inútil; nós, egoístas, invejosos e irados. É daqui que sai, quase que expulso, a nossa fragilidade. E dali em diante você não é mais nada. Não até o próximo.

Por Lara Stoque

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Ouuuu (by veridiana) pirei. Que foi isso, hein? Tipo Deus chega e, então, a gente manda ir embora. Gostei demais. Enquanto lia o texto me deu até um certo orgulho da minha, da nossa, condição. Parece que tudo aquilo quando visto pela ponta do seu lápis, ou pelo que vem de dentro de vc, ganhou um certo charme, um brilho novo. Taí gostei. Criação e criadores juntos para contar uma história que não é de nenhum deles no final. Abraço enorme.

10:34 AM  

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