9.4.08

Mais feliz pelo lado de quem olha

Sônia Braga em "A Dama do Lotação" 1978


Para Nelson Rodrigues todos nós temos desejos obcenos. E pronto. Quem quiser que negue. Ou até se mate para que seja dado um fim. E o que mais perturba quem lê sua obra é que o tempo todo você está ali também.

Mulheres adúlteras, pais hipócritas, maridos passivos, amigas invejosas. Basicamente, gente que a gente usualmente chama de gente doente. Historinhas simples que começam dentro das casas.

A primeira vez com o Nelson você logo pensa: “que imaginação”. Na segunda: “já vi algo assim”. E da terceira em diante você precisa de mais. A repulsa e o asco que aparecem de cara são mais fácil de demonstrar, já que é muito louvável apontar os dedos à dama da lotação. É mais compreensível ainda ficar embasbacado com a Engraçadinha. E melhor ainda é sentir-se do lado de cá uma pessoa boa, digna, honesta e Deus me livre, boa. A bondade é algo que devemos perseguir. Cultivar. E ostentar.

Gente que é boa tende a fazer-se visto. Irradiar alegria é uma das ações mais defendidas, prezadas e proclamadas por nós. A gente acha que o bondoso é quem merece. E se algo vai mal, é coisa de outra vida. É carma. É castigo cristão. É com Deus mesmo. Guerras são justificadas assim. E assim se vai indo. Isto para quem está vendo do lado de fora e bem de longe.

Parecemos ser filhos de uma teoria que mastiga a aparência como ideal perseguido. Se não damos contar de ser o que devemos, pelo menos fazei de conta que somos. E na nossa casa ninguém trepa. Não há gritos ou discussões. Somos harmônicos. Somos graciosos. Unidos. Somos de boa fé. E para quem olha do lado de fora a gente parece ser mais feliz mesmo.

Eu ia dizer que pena que não é assim. Mas eu ia mentir. Ainda bem que não somos só o que parecemos. Ainda bem que somos capazes de fazer muito mais do que nos propomos. Do nosso lado de dentro tem bem mais que a mera bondade vangloriada. Tem a inveja que nos faz acordar todos os dias e ir atrás de nossas coisinhas. Do dinheirinho. Do amor. De trabalho. De lugar e espaço na vida. Tem aquela boa e frenética ira que nos sobe as mentes e nos faz berrar pelas injustiças. Tem também diferenças, muitas, milhares. Discordar é também gozar por ser dono de si. De seu pensamento. As frases feitas e repetidas podem parecer que fazem efeito, a princípio mas nem sempre. A gente ainda tem desejos obcenos e incrivelmente secretos que maravilhosamente são nossos, apenas.

Damos conta de nos fragmentar para suportar todos os desencantos. Damos conta de nos juntar dos pedacinhos e remontar nosso cotidiano. Somos sempre estrangeiros de nossas próprias ideologias. E por sinal, nosso melhor não está no que parece ser. Quase sempre está no virá. Senão qual seria o ponto de mais um dia?

Por Lara Stoque, que irradia milhões de coisas… boas e ruins.






4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

lara vc irradia inteligenciaaa filha!

9:56 AM  
Anonymous Anônimo said...

e comooo
eu irradio secadores queimados e explosivos rsrsrs

9:57 AM  
Anonymous Anônimo said...

Reflexões profundas em...
Só não entendi o comentário dos secadores...
Cidinha

6:48 PM  
Anonymous Anônimo said...

To fazendo uma coleção pessoal. Deste eu levo isso: Ainda bem que não somos só o que parecemos. Somos sempre estrangeiros de nossas próprias ideologias. E por sinal, nosso melhor não está no que parece ser. Quase sempre está no virá. Senão qual seria o ponto de mais um dia?

4:58 AM  

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